quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Reciclagem: O plástico "do bem"



Inventor cria técnica de construção de "tijolos" de material reciclado que promete ser mais barata, rápida e ambientalmente eficaz

Não é preciso ter qualquer conhecimento especial para constatar que o plástico está presente na composição da maioria dos objetos que fazem parte do dia a dia da vida moderna. Ainda que seja versátil, contudo, o material costuma representar um problema para o meio ambiente, uma vez que não se degrada com facilidade. A dificuldade de compactá-lo também é uma dor de cabeça, já que isso faz com que os aterros tornem-se cada vez mais abarrotados de lixo. Para tentar amenizar esses e outros problemas, há dezenas de itens feitos com plástico reciclado, mas o professor Reginaldo Marinho resolveu ir além das bolsas, das bijuterias e de outros objetos feitos com garrafa PET e criou a tecnologia Construcell. Constituída por módulos (ou "tijolos de plástico" reciclado), a invenção é capaz de dar origem a construções inteiras que dispensam o uso de madeira, metal ou concreto.

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Feitos de plástico ou acrílico, os módulos têm formato triangular. Quando sobrepostos, os "tijolos" são unidos por parafusos - o que, conforme Marinho, que ensinava geometria descritiva quando criou a técnica, acaba com o desperdício de material, problema responsável por aumentar consideravelmente o custo de qualquer construção. Pensada em um primeiro momento para ser usada na concepção de armazéns para estocagem de grãos, a tecnologia pode, segundo o inventor, ser levada para a cobertura de hangares, balcões industriais e ginásios esportivos. Além da vantagem ecológica, as peças oferecem uma série de outras qualidades, como rapidez na montagem, conforto acústico, uso de resíduos sólidos e beleza estética.

Por serem transparentes, é possível também instalar as chamadas placas fotovoltaicas, painéis geralmente aplicados em telhados para converter energia solar em eletricidade. "Isso transforma a construção em uma usina solar", completa o inventor. Entre as vantagens da união entre os módulos e as placas fotovoltaicas está a possibilidade de levar a "casa de plástico" para áreas remotas, que não teriam acesso à eletricidade de outra forma. "O Estado brasileiro pode usar essa tecnologia para construir instalações militares para a proteção de fronteiras", exemplifica Marinho. O custo para colocar as placas também é reduzido - já que, segundo o criador, a nova tecnologia já oferece a estrutura para o suporte das placas e dispensa a necessidade de lâminas de cristal de proteção que elas normalmente precisam.

Embora ainda não tenha números precisos sobre a dimensão da economia que poderia ser alcançada com os novos módulos, apenas o fato de a matéria-prima ser plástico reciclável já garante um custo menor ao longo do processo. "Os investimentos iniciais são os mais altos, pois o projeto precisa de uma máquina injetora de grande porte para a construção dos moldes e para poder ser colocado em prática", pondera. Por fim, Marinho aponta a rápida montagem das casas de plástico como uma vantagem para a construção de "abrigos emergenciais para populações vitimadas por catástrofes naturais". "No nosso imaginário, a casa tem que ter telhado, mas os módulos também cumprem esse papel", explica. "As paredes podem ser opacas, não precisam ser transparentes."

Mais testes
Na construção civil, a consciência de que, dos materiais escolhidos à localização dos empreendimentos, tudo influencia em como será o impacto sofrido pela natureza também transformou-se em uma preocupação constante. Iniciativas como a de Reginaldo Marinho fazem parte desse novo nicho ecológico. Não é fácil, porém, desenvolver tecnologias ecoinovadoras. Segundo o criador da Construcell, a falta de incentivo financeiro, especialmente por parte do governo, ainda é um obstáculo difícil de ser contornado. "A única questão negativa desse projeto é o número de anos pelos quais ele vem se arrastando", comenta Argemiro Brito, engenheiro estruturalista responsável pelo cálculo estrutural dos módulos.

Desde que foi concebida, em 1998, a invenção já recebeu prêmios internacionais e foi apresentada em congressos de engenharia por todo o Brasil. Brito, contudo, defende que, antes de ser adotada de fato, a tecnologia ainda carece de testes práticos. "É preciso explorar mais as possibilidades dos módulos na prática", justifica. "Como toda ciência, a ideia é teórica e experimental, mas precisa de apoio para sair do papel."

O objetivo, segundo o engenheiro, é partir do modelo reduzido para a criação de um túnel de vento, batizado por ele de cúpula geodélica. "Essas cúpulas podem ser usadas como estufas ou pavilhões de exposição que economizam energia", exemplifica. Mesmo com tantas vantagens, a própria leveza do material pode ser seu principal vilão. "O vento existe, a chuva também. Estruturas mais pesadas não sofrem com isso", compara Brito.

Com o pensamento voltado para o tema da preservação do meio ambiente e da utilização consciente de materiais de construção, algumas iniciativas promovem discussões a respeito da nova demanda mundial. Criado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cebic), o Programa Construção Sustentável reuniu atores do setor, do governo, organizações não governamentais (ONGs) e representantes da sociedade civil para pensar em propostas que resolvam os problemas considerados mais críticos atualmente - como água, desenvolvimento humano, energia, materiais e sistemas, meio ambiente, infraestrutura e desenvolvimento urbano, mudanças climáticas e resíduos. "Buscamos soluções que possam atender a essas necessidades das empresas", completa Lirian Sarrouf, especialista em construções sustentáveis e consultora da Cebic.

De acordo com estudos feitos pela Fundação Getúlio Vargas, até 2009, o Brasil necessitava de 5,81 milhões de moradias. Para que o país alcance a meta de zerar o déficit habitacional serão necessárias 23,49 milhões de unidades para o período entre 2010 e 2022. Quase 85% da população vive hoje em áreas urbanas e 23% moram nas cinco regiões metropolitanas.

A necessidade de criar locais para abrigar tanta gente esbarra no problema da escassez de recursos naturais: como criar casas para todos sem prejudicar a natureza de maneira irremediável? "Apoiamos iniciativas como o Procel Edifica, que criou uma etiquetagem para medir o desempenho energético das residências", explica Lirian. "Vemos que, cada vez mais, as construtoras estão buscando diferenciais (na área da sustentabilidade)."

Construção sustentável
Para que um empreendimento seja, realmente, ecológico e sustentável é preciso prestar atenção a alguns detalhes ao longo do processo. Saiba quais são eles:

  • O ciclo de vida da edificação deve ser econômico, ter longa vida útil e materiais que possam ser reciclados ou reutilizados quando chegar o momenta da demolição do prédio - sempre com a meta resíduos zero em mente.
  • Recursos naturais, como sol, umidade, vento e vegetação, devem ser aproveitados. Isso ajuda a minimizar o usa de recursos finitos, como energia e água.
  • Por falar em água, é preciso que o prédio tenha eficiência na gestão e uso desse recurso. Mecanismos para economizá-la, tratá-la localmente e reciclá-la, além do usa de água da chuva, são essenciais.
  • Energias renováveis são de extrema importância para resolver ou atenuar as demandas de energia geradas pela edificação, como sistemas de ar-condicionado, responsáveis por 35% da demanda energética em prédios comerciais.
  • Eficiência na gestão dos resíduos gerados pelos usuários da edificação e condições termoacústicas são providências que ajudam a melhorar a qualidade de vida física e psíquica dos indivíduos.
  • Preservar o meio ambiente é imperativo: para isso, o empreendimento deve ter materiais que não comprometam a natureza ou a saúde dos ocupantes e que, contribuam para promover um estilo de vida sustentável e a consciência ambiental.
Fonte: Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica (IDHEA)


Correio Braziliense - 28/12/2011

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